A frase “não sou bom o suficiente” raramente vem sozinha. Em geral, ela carrega consigo uma sensação crônica de inadequação, um deslocamento silencioso que se repete em contextos diversos: no trabalho, nos vínculos amorosos, na exposição pública, até mesmo na intimidade consigo. Não se trata, necessariamente, de baixa autoestima. Trata-se de algo mais profundo: um modo de habitar a experiência de si sempre a partir de uma régua externa, sempre como dívida, sempre como falta.
O sujeito se compara, se corrige, se vigia. Nunca chega. Nunca basta. Mesmo quando elogiado, suspeita. Mesmo quando reconhecido, relativiza. Há sempre uma parte sua que se mantém nos bastidores, espreitando o momento em que alguém finalmente perceberá que ele não é aquilo tudo. Essa estrutura psíquica tem nome: autoimagem em regime de vigilância narcísica. Um modo de ser que, por mais que pareça emocional, é profundamente político e estrutural.
Freud já advertia que o ideal do eu, formado a partir das primeiras identificações com as figuras parentais, serve como instância de exigência interna. É dele que nasce o superego — esse juiz impiedoso que cobra desempenho, perfeição e coerência. Para Freud, esse ideal não é negociável: ele é da ordem do impossível. O sujeito, então, vive sempre aquém de si mesmo. O "eu" real nunca coincide com o "eu" ideal. E a vida, nesse intervalo, vira cobrança contínua.
Lacan amplia essa estrutura ao mostrar que o sujeito do inconsciente é constituído no campo do Outro, ou seja, nasce já tentando responder ao desejo alheio. Desde muito cedo, o sujeito tenta ser aquilo que o outro quer — e, não conseguindo sê-lo por inteiro (pois o desejo do Outro é, por natureza, faltoso e inatingível), ele se instala numa posição de dívida crônica: nunca serei suficiente.
Essa insuficiência, portanto, não é uma sensação passageira, mas um modo de inscrição simbólica. O sujeito passa a desejar ser “bom o suficiente” não por si, mas como forma de garantir permanência no campo do Outro — do amor, do reconhecimento, da inclusão.
Mas há um paradoxo: quanto mais ele tenta corresponder, mais se afasta de si. Quanto mais idealiza o “bom o suficiente”, mais se distancia da escuta do que de fato deseja. Porque o desejo é sempre singular, falho, incompleto. Não se encaixa. E, portanto, todo desejo verdadeiro confronta a imagem ideal. É nesse ponto que a crença na insuficiência vira armadilha subjetiva: o sujeito se boicota toda vez que se aproxima de si, porque ser si mesmo implica não coincidir com o ideal.
I. O que sustenta a crença de que “não sou bom o suficiente”?
1. Pactos precoces com o desejo do outro
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